Esclarecimentos sobre o Estatuto do Nascituro

Lenise Garcia

Quem lê as críticas que são feitas ao Estatuto do Nascituro por Débora Diniz, Lola Aronovich e, de modo diametralmente oposto, pelo Padre Lodi, é levado a pensar que estão falando de documentos diferentes. Esse violento contraste nas críticas, com freqüência sem referências ao texto do substitutivo que está para ser votado – e muitas vezes vociferando apaixonadamente contra propostas que dele não constam – mostram o quanto é necessário um esclarecimento desapaixonado para que os nossos parlamentares possam tomar as suas decisões sobre o PL 478/2007 que está colocado para votação, e não sobre fantasmas do mesmo. Do mesmo modo, os cidadãos que acompanham o debate e nele se posicionam merecem ser informados com precisão. Com essa finalidade, vamos abordar alguns aspectos. Futuramente, esperamos trazer mais alguns esclarecimentos.

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que o texto em discussão é o SUBSTITUTIVO que foi aprovado na CSSF em 19/05/2010. Algumas críticas das pessoas favoráveis à liberação do aborto estão sendo feitas ao projeto original, já caducado, como demonstraremos. Já Pe. Lodi distingue os 2 textos, mas faz referências a coisas que não estão escritas em nenhum deles, talvez tendo em mente um texto escrito por ele, mas que nunca foi debatido no Congresso. Sugerimos que o leitor compare por si mesmo as duas versões oficiais. A proposta original do PL 478/2007 pode ser encontrada aqui:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4E0DC1343E82CA54D2FE0F8CC8318743.node2?codteor=443584&filename=PL+478/2007

E o substitutivo pode ser visto aqui:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4E0DC1343E82CA54D2FE0F8CC8318743.node2?codteor=770928&filename=Parecer-CSSF-19-05-2010

Analisemos agora algumas questões

  1. Na perspectiva do Estatuto do Nascituro, o embrião é pessoa?

  1. As críticas

Débora Diniz diz que “os defensores do Estatuto do Nascituro sustentam ser já pessoa humana um punhado de células recém-fecundadas. Por isso, insistem em descrevê-las como um “ser humano”.

Lola Aronovich diz que o Estatuto pretende “considerar um embrião uma pessoa já nascida, digna de todos os direitos jurídicos”.

Já o Pe. Lodi diz que “foi excluída também a importantíssima afirmação de que o nascituro é pessoa, conforme estabelecido no Pacto de São José da Costa Rica. Sem o reconhecimento explícito da personalidade do nascituro, os direitos a ele atribuídos serão interpretados como meras “expectativas de direitos”, como hoje fazem tantos doutrinadores”.

  1. O que dizem a respeito a proposta original do PL 478/2007 e o substitutivo que está para ser votado

O texto original não dizia que o nascituro é pessoa. Pelo contrário, empregava uma formulação bastante equívoca, trazendo, por exemplo:

“Art. 6º Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar do nascituro como futura pessoa em desenvolvimento”.

Além disso, a proposta original afirmava que:

“Art. 3º O nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal.

Parágrafo único. O nascituro goza da expectativa do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade”.

Já o substitutivo que está para ser votado traz que:

“Art. 3º Reconhecem-se desde a concepção a dignidade e natureza humanas do nascituro conferindo-se ao mesmo plena proteção jurídica.

§ 1º Desde a concepção são reconhecidos todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade previstos nos arts. 11 a 21 da Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002”.

  1. Análise das críticas

Débora Diniz começa errando na biologia, pois a fecundação é de uma única célula, gerando um indivíduo único que começa a se desenvolver como um “punhado de células” até chegar ao “montão de células” que somos cada um de nós. Por isso, o ser que é formado na fecundação efetivamente é um ser humano, pois, como dizia sabiamente o geneticista Lejeune, “se não fosse humano desde o início nunca se tornaria humano, pois nada é acrescentado a ele.”

Ao falar em “células recém-fecundadas”, ela mostra não admitir a evidente unidade que existe entre o ser que no primeiro momento se forma e aquilo que será ao longo de toda a sua existência, desenvolvendo-se em um processo contínuo.

Lola Aronovich diz que o Estatuto pretende “considerar um embrião uma pessoa já nascida, digna de todos os direitos jurídicos”. Realmente, a proposta em discussão considera o embrião digno dos direitos que lhe cabem, essa é exatamente a sua finalidade. Considera-o, como de fato é, já gerado – não já nascido, pois é nascituro.

É interessante notar que ambas, embora discordem de que o nascituro seja pessoa, consideram que o Estatuto do Nascituro assim reconhece o embrião.

Já o Pe. Lodi acusa o substitutivo de poder ser interpretado como “expectativas de direitos”, quando esse termo constava textualmente do projeto original, e foi retirado no substitutivo, que garante ao nascituro “direitos da personalidade”. Embora não se use a palavra pessoa, fica evidente que o Estatuto do Nascituro garante todos os seus direitos fundamentais. Em síntese, Pe. Lodi está acusando o substitutivo de ter introduzido um problema que ele na realidade solucionou.

Conclusão: o Estatuto do Nascituro trata o embrião como pessoa, garantindo-lhe os direitos, embora não use diretamente esse termo, mas outros análogos, fazendo referência a “dignidade e natureza humanas”, e a “direitos de personalidade”.

  1. Como o Estatuto do Nascituro trata a punição a mulheres que abortam, especialmente no caso de estupro?

  1. As críticas

Débora Diniz afirma que “uma menina que tenha sido violentada sexualmente por um estranho será obrigada pelo Estado a manter-se grávida, mesmo que com riscos irreparáveis à saúde física e psíquica”.

Lola Aronovich diz que o Estatuto pretende “criminalizar ainda mais a mulher que aborta”.

Já Pe. Lodi afirma: “Mas o pior de tudo é que a atual versão é capaz de fortalecer a opinião (falsa) de que no Brasil o aborto é “legal” quando a gravidez resulta de estupro (art. 128, II, CP).

  1. O que dizem a respeito a proposta original do PL 478/2007 e o substitutivo que está para ser votado

A proposta original tinha um capítulo “Dos crimes em espécie”, com 11 artigos (22 a 32), que trazia uma série de novas punições penais relacionadas ao aborto e modificava itens do Código Penal.

Tudo isso foi retirado no substitutivo, que optou por não abordar a questão penal e inclusive, em função dos debates na CSSF, explicitou que fica “ressalvado o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro“. Portanto, não há qualquer mudança em matéria penal em relação ao atualmente vigente.

  1. Análise das críticas

Dada a evidência de que nada muda em matéria penal, não fazem qualquer sentido as afirmações de Débora Diniz e Lola Aronovich a esse respeito. Parece claro que elas estão se referindo ao documento errado, ao PL 478/2007 original, já sepultado.

Já o Pe. Lodi cai em contradição, ao dizer que a lei atual apenas faz o excludente de punibilidade em determinados casos, nos quais o aborto permanece crime (interpretação, aliás, com a qual concordo), e que o Estatuto do Nascituro transformaria em “aborto legal”. Não havendo qualquer modificação no Código Penal, sendo feita a ressalva do Art 128, a interpretação do mesmo continuará sendo a que até hoje se fez.

Conclusão: em matéria penal, nada muda. O Código Penal continua como está, e as divergências na sua interpretação, que atualmente ocorrem, continuarão ocorrendo do mesmo modo: nem mais, nem menos.

CONCLUSÕES FINAIS: O Estatuto do Nascituro é uma proposta equilibrada, que explicita direitos fundamentais da criança ainda no ventre da mãe, e merece ser aprovada em nosso parlamento. Para se fazer um debate sensato e maduro a seu respeito, buscando inclusive eventual aperfeiçoamento, é preciso ter em conta os textos oficiais, especialmente o do substitutivo da Deputada Solange Almeida, que é o texto atualmente em discussão, e não textos antigos ou que só existem no imaginário de cada um.

Referências:

Débora Diniz, O Estatuto do Nascituro e o terror. Correio Braziliense, 07/05/2013

Lola Aronovich,

http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/05/estatuto-do-nascituro-pode-calar-todas.html

Pe. Luiz Lodi, O gol contra do Estatuto do Nascituro

http://www.providaanapolis.org.br

Navegar