Direito à Vida no contexto dos Direitos Fundamentais

Por José Miranda de Siqueira

Comemoramos, em passado recente, os 30 anos da promulgação de nossa Constituição, que reconheceu a inviolabilidade do direito à vida como direito fundamental, bem como, a proteção à dignidade da pessoa humana sem quaisquer restrições, estendido tal direito aos deficientes.

A história da Constituição de 1988 mostrou-nos o árduo caminho na superação de obstáculos delicados, nem sempre devidamente neutralizados.

Em matéria de respeito à vontade do Poder Constituinte Originário na proteção à vida humana, o Supremo Tribunal Federal tem sua parcela de responsabilidade, a partir do julgamento da ADPF 54. O julgamento usurpou funções legislativas para ressuscitar o debate entre a inviolabilidade do direito à vida e o direito à existência digna, que fora exaustivamente debatido pelos constituintes há 30 anos, quando da aprovação do atual Artigo 5º da Constituição.

O professor José Afonso da Silva, que participou dos trabalhos da Assembleia Constituinte, no livro Direito Constitucional Positivo, Ed Malheiros 23ª ed. Pág. 197 menciona tal fato:

‘‘’Tentou-se incluir na Constituição o direito a uma existência digna. Esse conceito de existência digna consubstancia aspectos generosos de natureza material e moral, serviria para fundamentar o desligamento de equipamentos médico-hospitalares, nos casos em que o paciente estivesse vivendo artificialmente (mecanicamente), a prática da eutanásia, mas trazia implícito algum risco como, por exemplo, autorizar a eliminação de alguém portador de deficiência de tal monta que se viesse a concluir que não teria uma existência humana digna. Por esses riscos, talvez tenha sido melhor não acolher o conceito. ’’(grifo nosso).

Em poucas palavras, o ativismo judicial elevou o STF ao papel de protagonista do Biopoder no Brasil, passando o Judiciário a decidir sobre quem é digno de viver ou de morrer.

A expansão do Biopoder no STF se deu gradativamente, com a aceitação indevida da sua competência, avocando para si julgamento de casos como o da ADI 5581, tida como o da licença para matar deficientes, e, ao da ADPF 442, que visa a legalização do aborto no país, o que resultou na assunção definitiva de um protagonismo sobre o direito de viver e de morrer de seres humanos.

Tal posição deve despertar em todos a atenção máxima quanto à defesa de um percurso constitucional que resguarde a independência e a harmonia dos poderes da República, no sentido de termos uma atitude voltada para o futuro, preservando a legalidade e a ética constitucional, para manter viva a inserção do direito à vida no contexto dos direitos fundamentais no plano concreto.

A Constituição como norma jurídica, nos possibilita um questionamento em torno de suas origens democráticas e nelas se inclui: a legitimidade e a aplicabilidade do sistema de freios e contrapesos; a máxima de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido; que não há pena de morte no país; e que os deficientes devem ser protegidos, validando o controle do Judiciário pelo Legislativo e também pelo Executivo.

A partir de 2019, teremos um novo Congresso Nacional e um novo Poder Executivo, cabendo a todos nós, como cidadãos, contribuir para a consolidação de uma ética constitucional, da vida como direito fundamental, assumindo o compromisso, como atores políticos de fiscalização, do cumprimento de suas regras em defesa de toda a sociedade.

A prevalecer o protagonismo do STF quanto ao Biopoder, a sociedade estará à mercê de novas decisões, tais como a da ADPF 54, que pode restringir ainda mais o direito fundamental à vida, em contramão à vontade popular.

Nosso eterno Rui Barbosa dizia que: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Não deixe essa profecia se realizar para, de forma ilegítima, ser aprovado o aborto no Brasil.

Diga sim à inviolabilidade da vida humana desde a concepção e não ao aborto ativista judicial disfarçado em direito a existência digna. Respeitem o Poder Constituinte Originário.

 

 * José Miranda de Siqueira é presidente da ADIRA –Associação Nacional da Cidadania pela Vida e pesquisador em Biodireito da Universidade Autônoma de Lisboa

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