Artigo: o desafio atual de ser mãe

Por Elizabeth Kipman Cerqueira

 

A voz feminina vem se fazendo ouvir em um processo de autodescoberta e de valorização; a história da Mulher vem sendo escrita no percurso, pois o caminho se faz caminhando, dia a dia, na consciência de ser um desafio que devemos enfrentar. Desafio proposto a nós, mulheres!

“A História das mulheres foi escrita pelos homens”, disse Simone de Beauvoir. E nela, constatamos gravíssimo erro em atribuir um nível superior ao masculino em detrimento ao feminino, porém, é preciso ter claro qual a mudança desejamos: é a mudança que mostre e responda à pergunta sobre nosso próprio valor.

Queremos nossa identidade reconhecida e valorizada: o movimento de defesa da Mulher existe, logicamente porque existe a Mulher, com sua especificidade, seu potencial, sua originalidade, sua importância única, insubstituível em qualquer sociedade ou cultura.

Qual é essa identidade de raiz? Ou, melhor, existe uma raiz que identifica a Mulher?

Existem hormônios femininos no Homem e existem hormônios masculinos na Mulher, mas isso não os torna idênticos biologicamente. Assim, também, existem qualidades predominantemente femininas e as masculinas a serem desenvolvidas tanto no Homem como na Mulher, porém esse fato, igualmente, não os identifica psicologicamente. Há razões biológicas e evolutivas para que se desenvolvesse a predominância das qualidades em ambos de forma diferente, pois não é indiferente que a função acolhedora da vida em gestação (útero) e o papel nutricional (mamas), ambos femininos, se cumpram na Mulher.

Entre os mamíferos, o recém-nascido humano é o mais imaturo: demora perto de um ano para poder caminhar e, muitos anos mais, para ele mesmo providenciar o seu alimento e sobrevivência. Essa fragilidade e a consequente vulnerabilidade não resultaram em dano, ao contrário, constituíram um marco para o grande salto evolutivo da nossa espécie. Totalmente incapaz de qualquer vislumbre de autonomia, a criança exigiu desde a época das cavernas, dedicação exclusiva, por tempo prolongado o que foi o pilar para o processo de desenvolvimento humano: divisão de funções e cooperação para manter a procriação, sociabilização e o próprio desenvolvimento da comunicação.

Para que as mães pudessem dedicar-se à sobrevivência de seus filhos, necessitaram do suporte dos varões que se tornaram provedores de alimento e protetores. Desde a pré-história, as mulheres se especializaram na criança, uma das tarefas mais dignas e transcendentes da História de toda humanidade e que nos permitiu estarmos aqui, hoje. As mães, com a ajuda dos pais, foram tão eficientes na tarefa do cuidado da cria que nossa espécie alcançou o mais alto índice de recém-nascidos que conseguem chegar à idade adulta.

Bem, isso já foi! Agora estamos em outros tempos! Tempos de desenvolvimento profissional da mulher, de desenvolvimento tecnológico, organização social, política e econômica que permitem a emancipação da mulher, sua realização pessoal e, sobretudo, outra prática da afetividade e sexualidade que exigem independência.

Sim, são outros tempos. As ciências apresentam opções que libertam do condicionamento às leis da natureza. Embora com falhas ocasionais, há métodos que oferecem à Mulher, a possibilidade de planejar o momento desejado de gravidez. É fato que as desigualdades sociais, educacionais e culturais exigem ainda maior divulgação de conhecimento e de acesso a esses recursos, porém existe um norte a ser desenvolvido.

É preciso continuar “caminhando e construindo o caminho” embora não saibamos bem aonde chegar. Sabemos de nossas aspirações e do clamor que há por trás de tantas lutas de mulheres conhecidas e anônimas: o desejo de liberdade para viver, para encontrar, para se relacionar, para construir, para fazer a diferença no mundo. Deixar uma marca pessoal, a impressão digital insubstituível de cada Mulher que já existiu, existe e existirá no futuro. Trata-se sempre da busca de realização pessoal e, para isso, é indispensável descobrir a si mesma.

Se quisermos iluminar a Mulher, devemos admirá-la na sua individualidade e identidade que a faz ser reconhecida como Mulher, porém ela necessita admirar a si própria, seu potencial existencial – essa é a chave para a grande virada.

Jung afirmou que é o feminino o que permite à humanidade, descobrir a verdade do amor e ao masculino descobrir o amor a essa verdade. À mulher coube o início da socialização humana ao assumir seu filho, fruto de seu próprio ser, mas totalmente outro, diferente dela. A ela coube anunciar o apelo à transcendência ao abrir-se ao cuidado como defensora da vida gerada. A condição gregária do ser humano que gera vínculos tão fortes teve origem principalmente nas mães.

Esta maravilha, fonte do crescimento da humanização, não pode ser motivo de opressão e de submissão, obstáculo ao desenvolvimento da própria Mulher, em sociedades de qualquer fundamento político.

Devemos muito aos movimentos feministas, vanguarda na busca pela mudança necessária; parte do caminho foi aberto. Entretanto, correntes radicais na luta pela igualdade e iguais direitos para homens e mulheres entendem ser necessário que a Mulher se liberte da própria maternidade; o fato de ser Mãe seria o peso que a acorrenta e impede seu voo livre.

Hoje, ser Mãe enfrenta desafios múltiplos que não se resumem apenas ao econômico ou à necessidade de se realizar profissionalmente. Existe uma pressão aberta que conclama ao consumismo, ao individualismo, ao descarte fácil dos relacionamentos, mas, sobretudo, existe uma contínua pressão, mais disfarçada, que desvaloriza a própria capacidade à maternidade e que, portanto, atinge a sua identidade. Expressão maior se encontra na insistência para a banalização do aborto provocado como nada mais fosse do que se livrar de um inconveniente, sem maiores consequências pessoais ou sociais.

Tendo filhos ou não, fértil biologicamente ou não, sozinha ou com parceiro, a Mulher tem o dom de gerar que o Homem não tem. Ela é sempre Mãe em sua constituição –  mesmo que por opção não deseje filhos próprios – porque ela tem a sensibilidade primeira para reconhecer o dom da vida e, por isso, ensinar também ao Homem, como se respeita a Vida. Se dela for retirada essa qualidade, coloca-se em risco o próprio valor gregário que leva a proteger o mais vulnerável.

O processo de mudança vem se realizando. O desafio é geral porque o hoje questiona qual futuro queremos, seja na sociedade seja na vida pessoal. Sem dúvida, tudo o que o Homem realiza na sociedade, a Mulher pode igualmente realizar, porém, ele nunca poderá gerar a vida em suas entranhas, primeira condição para se chegar ao mundo. Homenageamos a Mãe e almejamos um mundo em que a Mulher não seja levada a se revestir de uma armadura de insensibilidade quanto ao filho gerado, numa tentativa enganosa de que só assim terá os mesmos direitos do Homem.

É evidente que o registro histórico foi escrito, em grande parte, anunciando uma pretensa superioridade masculina na construção das civilizações, porém, a correção desse erro não supõe inverter essa supremacia opressora, mas em reconhecer o específico valor de ambos; assim como, de forma alguma, significa arrancar do ser da Mulher o seu olhar de amor e de acolhimento. Se o fizermos, desenvolveremos o caminho contrário à construção e ameaçamos a própria sobrevivência da humanidade.

Nossa História se faz vivendo e acolhendo a Vida: a Mulher é a maravilhosa líder desse caminho ao afirmar a grandeza de seu potencial à maternidade – da vida considerada em seus múltiplos aspectos – convocando o Homem a assumir sua responsabilidade à paternidade, igualmente da vida considerada em seus múltiplos aspectos.


* Elizabeth Kipman Cerqueira é vice-presidente do Movimento Brasil Sem Aborto

 * Foto: Pixabay 

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